Tréguas

Uma escolha (mal) feita e a batalha decorre.
Impávida e serenamente assistimos ao sangue que escorre.
O meu, o teu e todo o outro sem dono, derramado em vão.
Mas a batalha decorre. Batalhemos então.
De que nos serve tudo isto, estas vestes tingidas de carmesim?
De que te serve o talento, de que me serve a sapiência
Se a batalha decorre ainda assim?
Paciência.
Batalhemos ainda.
Uma lágrima disfarçada, um grito de guerra que ecoa.
Mais um golpe dado, mais uma esquiva por pouco
E um bocadinho mais deste nosso ritmo louco,
Desta cadência impossível de parar, que de nós escoa...
Porque vieste para conquistar num só segundo
E derrotadas as tropas indefesas não tens por que ficar.
Mas não é um campo de batalha, este teu mundo
E tu não és Marte.
Mas eu não sei senão amar-te.
Que sorte esta que em ti me fez tropeçar,
Que me faz querer por-te no bolso e nunca mais de lá te tirar!
Houve um tempo em que dizias não querer de lá sair.
Dizias que o meu Amor era a tua prisão voluntária.
Diz-me então, quem te pagou a fiança?
Disseste não ser necessária toda a minha desconfiança
Mas o que é certo é que nunca a tive.
Só tu de ti desconfiaste.
E de todas as vezes que o fizeste, tinhas razão.
Mas cegamente te segui e cegamente combato agora,
Tentando esquecer esta venda e esquivar-me das tuas estocadas
Quando tu sem esforço afastas as minhas com as costas da mão
Como insectos irritantes esvoaçando em teu redor em má hora.
Mas também qualquer hora é má excepto a meia-noite
E é ainda o crepúsculo que se abate sobre nós.
Desta vez contudo as estrelas não fazem o nosso deleite.
Sabemos que quando a Lua for soberana e rainha
Teremos já perecido na batalha que decorre.
Calamidade! Que escolha a tua e que conformidade a minha!
Um olhar em frente, um sorriso torcido, dois corações quebram...
E por entre a neve sem tréguas o sangue escorre.